Harry Potter: um clássico da literatura universal ou moda?
Mais de uma vez tive a oportunidade de presenciar e participar de ligeiros debates sobre o caráter clássico ou não da série escrita por J.K. Rowling e, mais de uma vez defendi seu posto de clássico. Alguns analistas acusam a saga Harry Potter de ser mera moda. Moda?! Evitarei dizer algumas palavras nada inocentes contra essa afirmação injuriosa em respeito a você, leitor do OG (e para evitar que Gustavo me transfigure naquele passarinho azul que ele colocou pulando entre as postagens uma época atrás). O que muitos analistas desprezam é o fato de que nenhum clássico foi escrito para virar clássico, os leitores elegem algo a clássico independente do que os críticos de plantão disseram ou deixaram de dizer sobre a obra posteriormente elevada à clássico da literatura.
Sim, Aline, o que viria a ser então um clássico? Para defender a categoria justa à série Harry Potter, basta levantar um princípio básico que caracteriza obras imortais: a inesgotabilidade. Ou como afirma brilhantemente Calvino: "Um clássico é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer". E o que são as aventuras do menino bruxo senão uma estória que permite uma infinita gama de continuidade? Muitos se perguntam o que envolve e segura uma legião de fãs ao redor do mundo mesmo depois da “conclusão” da saga, o que leva milhares de pessoas a continuarem lendo e relendo os livros, voltado com vontade redobrada para cada capítulo, o que as estimula a repassar, a defender. E eu respondo: a inesgotabilidade, meus queridos. Sim, o singular mundo paralelo tão bem tecido que chega a quase convencer, os conceitos, os mitos, a linguagem mesclada entre o acessível e o particularmente inusitado. A ausência de fim, a impotência do ponto final no livro sete é o que faz dessa coleção algo infinito em significados e possibilidades. O pessoal do fandom que o diga!
É essa infinitude que seduz e que transcende o tempo e o espaço, não há data nem localização geográfica que prenda a série, ela é eterna. A eternidade de uma obra literária depende também de um outro elemento essencial que é a independência temporal. Assim, ela não deve depender de um tempo, de um fato, de um lugar. Harry Potter é impressionantemente livre de tempo e espaço. J.K. Rowling trabalhou brilhantemente situações humanas perfeitamente atuais e universais em essência, libertando a obra da temporalidade e espaço quando situou as ações num mundo à parte, um mundo que não pode ser acusado de óbvio ou clichê, trata-se sim de um mundo com elementos pré-conhecidos, mas com uma abordagem diferente e envolvente.
A despeito das acusações infundadas de foco e interesse na bruxaria (quem chega a essa conclusão certamente não se deixou envolver pelo prazer literário), as obras de J.K. fundamentam-se no valor da instituição familiar quando mostra o quão desumano é estar privado desse tipo de convívio e o quanto é desejável e bom, além disso há nas obras da série uma constante recorrência à valorização da amizade, à luta contra o preconceito e principalmente, expõe implicitamente que todos temos o bem e o mal dentro de nós. Rowling, como os leitores bem perceberam em suas reiteradas leituras, não criou heróis perfeitos. Ela nos mostrou sucessivas vezes personagens “bons” cometendo erros atrozes, por vezes recaiam na prática das falhas que apontavam nos alcunhados de “maus” e no fim, todos acabavam sendo apenas humanos, seres suscetíveis de falhas e de redenção.
A série não é apenas uma superficial sequência de aventuras, esse ponto é apenas o glacê do bolo, o recheio está carregado do mais vasto trato sobre as complexidades da vida, da morte, da sociedade e cultura. Existe nos volumes e, em forma notoriamente crescente, o elemento universalista, não se trata de descrições de situações só possíveis em um ponto restrito do mapa ou do tempo, como já foi dito, são coisas perfeitamente naturais às relações humanas em qualquer lugar, vem daí mais um dos pontos de encanto que envolve leitores de todos os cantos do planeta: a facilidade de identificar-se com os fatos, sentimentos e posturas descritas nos volumes. A identificação leitor/obra é um ponto crucial para seu repasse e eternidade.
Um outro ponto característico de um clássico é o nível de impacto que ele provoca na mente do leitor. Podemos acusar Harry Potter de não haver feito nem cócegas em nossos cérebros? Definitivamente o dia em que nossa geração leu o primeiro livro de HP, teve cravada na mente, de modo perpétuo, o momento em que nós,"trouxas", tivemos acesso aos portões de um mundo extraordinário, construído de modo encantadoramente criativo, onde amizade, força de vontade, arrependimento sincero em busca de redenção, nobreza de propósitos, são mais fortes que o ódio, a inveja, rancor e desejo destrutivo por poder. Vale lembrar que esses são pontos muito atuais e palpáveis no dia-a-dia da atualidade e, independente de qualquer coisa, o será daqui há décadas. A série trás consigo um conjunto de relações e de ideias que nos diz de modo claro que mesmo dentro de um tempo conflituoso, o ser humano pode e deve encontrar espaço para coisas simples como conversar com um amigo, rir de uma situação difícil com a sincera e doce intenção de torná-la mais amena e que o tempo não se detém por nada e ninguém, avança indiferente, e por esta justa razão devemos fazer-lhe o melhor uso e vivenciá-lo da melhor forma que formos capazes, até porque, caros amigos potterianos, não temos uma professora de transfiguração para nos emprestar um “vira tempo”. E no final, seremos nós, como Harry, Gina, Rony e Hermione, dezenove anos depois, embarcando a nova geração no expresso de Hogwarts rumo a uma clássica, imortal e maravilhosa viagem à escola de magia e bruxaria que visitamos por mais de uma década e que continuaremos a visitar como mortais, ou fantasmas pelos corredores (Juro não me aliar à Pirraça). Uma moda, meus amigos, não suporta dez anos e nem tem ânimo para voltar-se de olhinhos brilhando para o porvir. E definitivamente, Harry Potter é um clássico da literatura universal, meus sobrinhos-netos confirmarão isso, e os netos destes, e os netos dos netos...
Aline Freitas
por Gustavo D.
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