[COLUNA] O Chapéu Segregador

O Chapéu Segregador

Na comunidade potteriana, as quatro Casas de Hogwarts constituem a característica mais difundida da Escola de Magia e Bruxaria. Corrijam-me se eu estiver errada, mas muitas são as vezes que, ao conhecermos outro fã da série, a nossa primeira pergunta é: a que Casa você pertence? E muito poucos são aqueles que respondem “não sei” – se o fazem, suspeitamos.

A verdade é que é necessidade inerente ao jovem pertencer a uma comunidade. Você, que lê este artigo, e eu, que o estou escrevendo, pertencemos à comunidade potteriana, e isso nos identifica entre uma população de fãs de outras coisas. No entanto esta comunidade não é específica o suficiente para o nosso desejo de definição, e é aí que as quatro Casas entram em cena.

Grifinória para os “corações indômitos, ousadia, sangue-frio e nobreza”, Corvinal para os de “mente alerta, grande espírito e saber”, Lufa-Lufa para os “justos, leais e sem medo da dor” e Sonserina para os “astutos e ambiciosos”. Para nós, que escolhemos a Casa como nos apraz, é tudo muito bacana, mas no mundo de Harry Potter, ao mesmo tempo em que une os alunos de temperamento semelhantes, o Chapéu Seletor segrega Hogwarts como um todo, sujeitando as crianças desde muito cedo a um estereótipo prejudicial ao desenvolvimento da sua personalidade.

Claro, isso não é um problema quando se é selecionado para a Grifinória: seu estigma é de ser bravo, ousado e nobre. É a casa dos grandes bruxos de Hogwarts, do mentor e diretor Albus Dumbledore e da magnífica Minerva McGonnagal. Mas e se você for da Sonserina? Temos um relato claro da expectativa de um jovem bruxo primeiro-anista em uma cena bem recente. No epílogo de Harry Potter e as Relíquias da Morte, o jovem Albus Severus Potter diz:

– Mas se eu for para a Sonserina? - Sussurrou somente para o pai, que percebeu que só o momento da partida revelou o verdadeiro e sincero medo que Albus estava sentindo.

Não é sem motivo que ele o sente. Afinal, como primeiro foi caracterizada esta Casa, não existe um bruxo das trevas que não tenha estado nela. Esta é uma Casa inescrupulosamente vilanizada durante toda a série, tornada bidimencional para antagonizar os nobres e bravos Grifinórios. Durante os primeiros livros, seus maiores representantes são Draco Malfoy e os capachos Crabbe e Goyle, e, além de Snape e Slughorn, não me lembro de mais personagens serem descritos como desviando da fama de bruxo-mal-intencionado que os alunos e ex-alunos da Sonserina ganharam.

J.K. Rowling, em toda a sua genialidade e criatividade que eu tanto admiro, falha em demonstrar, apesar de enfatizar que o mundo não é divido entre o bem e o mal, a humanidade dos personagens sonserinos e como, apesar de ambição e astúcia serem qualidades que possibilitam a maldade, elas não necessariamente a gera.

Na verdade, astúcia e ambição podem constituir uma parte positiva de alguém, por mais impensável que isso possa parecer quando se está lendo os livros. Uso-nos como exemplo – nós, o Satolep’s Army. O grupo é composto, em sua maioria, por Sonserinos declarados, e é característica nossa organizar eventos, EPs e afins com certa antecedência, tomar cuidado para fazer a coisa direito, não colocar o nome do nosso grupo na reta se não temos certeza de que o projeto vai dar certo... enfim, são boas características administrativas, acredito, e são claramente sonserinas. Uma boa carreira profissional exige, também, estas qualidades. A ambição de realizar grandes conquistas e a astúcia para lidar com as pessoas e tirar proveito das situações que se apresentam.

Imagine uma criança de onze anos que parece carregar consigo estas qualidades – mas também um pouco das características das outras casas, como é natural que seja com qualquer um – e o Chapéu Seletor julga que a Sonserina a ajudará a realizar grandes coisas. Supomos que esta grande coisa seja ser o melhor e mais poderoso auror do mundo. Uma vez enviada para a Sonserina, sendo colocada como antagonista, covarde e mesquinha, não ficaria esta criança inclinada a atender às expectativas das outras casas – e até a dos professores, dos quais se esperaria mais discernimento – e enveredar-se para o caminho da Magia Negra?

A verdade é que todos possuímos características de todas as casas de Hogwarts, e é isso que nos faz personagens multifacetados e reais. Algumas se destacam mais, outras menos. Considero que se destacam em mim o instinto de auto-preservação e a ambição características da Sonserina, mas que isso não o faça esquecer de que possuo a empatia e a solidariedade dos lufanos, a lealdade dos grifinórios e o desejo por conhecimento dos corvinais.

Somos todos um pouco de cada, e até que seja criada a Gricorlufina, teremos de aprender a não julgar os colegas apenas pelo brasão bordado no uniforme ou as cores da gravata. Devemos tentar conhecer uns aos outros – companheiros de fandom ou os próprios personagens do livro – de forma a ver além da Casa, além do estigma. Mais do que apenas tolerar o que consideramos defeitos, devemos aprender a admirar as qualidades, ocultas pelo estereótipo, e que isso sirva não só para o fandom potteriano, mas para a vida.

Jade Arbo

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por Gustavo D.